abril 24, 2021

A melhor vista para o crime

Há muito tempo que desejava ir a São Leonardo da Galafura, de onde se tem uma das vistas mais deslumbrantes para o vale do Douro. Fizemos a estreita e sinuosa estrada da barragem do Pinhão até lá, passando por Covelinhas. Tem troços muito estreitos, vertiginosos e com curvas muito apertadas, subidas e descidas muito íngremes. Foi arrepiante, sobretudo quando nos cruzávamos com algum carro estando nós do lado do precipício. Chiça! Lá em cima, junto da capela dedicada ao santo da aldeia da Galafura, está um miradouro natural muito alto, de onde se tem uma vista de 360º para vales e serras a perder de vista. Em dois painéis de azulejos estão um poema e um pequeno texto em prosa de Miguel Torga, alusivos ao local. Mas o que têm aquelas encostas que em tempos estavam cobertas de vegetação autóctone? Vinhas, vinhas e vinhas! Mais de 90% dos terrenos que a vista alcança por dezenas de quilómetros estão cobertos de vinhas, desde as margens do rio até ao topo das montanhas. Raras nesgas da vegetação original subsistem, e tudo leva a crer que será por pouco tempo. Devia ter-se estabelecido cotas para as vinhas, para que não se tivesse chegado onde se chegou. Uma tristeza! Não consegui gostar do que vi, pois o que dali se vê é a vista mais ampla para o enorme crime ambiental que são as vinhas do Alto Douro Vinhateiro. Um crime ambiental classificado como património da humanidade pela UNESCO. E milhões de pessoas bebem vinho dali, de videiras carregadinhas de herbicidas, pesticidas e adubos artificiais. Algumas placas na estrada, junto a áreas minúsculas de mato, indicam zona de caça. Ou seja, naquelas nesgas que são o pouquíssimo que sobra dos seus imensos territórios, alguns dos animais que ali se refugiam ainda são alvo de caça. Este é mais um capítulo do crime que são os desequilíbrios ambientais que por ali acontecem. 

do projeto Entre deuses e diabos