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maio 11, 2024

Um pequeno fenómeno

Esta crónica era para se chamar Descascando favas, mas ficou com outro título, já se verá porquê. Hoje comemos favas com entrecosto. É muito bom comermos as coisas próprias da época, porque é quando sabem melhor. Abril é época de favas, e cá em casa todos gostamos. Eu e o João, o nosso filho, descascámos seis quilos de favas. Quem sabe destas coisas sabe que depois o que chega à panela é pouco mais de um terço desse peso. Mesmo assim é provável que a tachada dê para meia-dúzia de refeições (não somos propriamente uns brutamontes a comer). Voltando ao descasque… Para este ser mais eficaz, é preferível fazê-lo com o bico da vagem virado para cima, pois é também para aí que está virado o olho da fava. Assim, o mesmo gesto abre a vagem soltando uma fava e retira-lhe o olho. Mas qual não foi o meu espanto quando numa vagem as favas estavam ao contrário!, ou seja, com o olho virado para o pé. Tirei uma, duas e três favas, e todas estavam assim. Mostrei ao meu filho e à minha mulher. A meio da vagem parei e ia preparar-me para fotografar ou filmar o descasque da outra metade. Contudo, nessa metade houve nova surpresa: as favas estavam na posição certa. Parece mentira, mas não, isto foi verdade verdadinha.

- do projeto Entre deuses e diabos -

maio 27, 2023

Sons de seda

Há compositores, instrumentistas ou cantores que se destacam por alguma particularidade, algo que confere um caráter muito peculiar à sua obra. Um deles é Chet Baker, que eu muito aprecio. Dentro do jazz, manteve sempre uma suavidade e uma delicadeza admiráveis, seja através da sua voz ou da sua trompete, instrumento habitualmente agressivo e dominador, mas que nos seus dedos e na sua boca se tornou suave como seda. A delicadeza da sua música está presente em toda a sua carreira, desde os tempos de juventude, em que passa por sex simbol, ao final da sua carreira e vida quando, com 50 e tal anos, aparenta ter 90. Muitos discos e imensas canções ele gravou, ao vivo e em estúdio. As suas versões de My funny valentine são as mais sentidas, belas e aveludadas que se podem encontram.


- do projeto Entre deuses e diabos -

abril 09, 2023

O negócio da guerra

A seguir ao negócio de Deus, historicamente o da guerra será o segundo maior negócio da humanidade. E quando se juntam os dois haverá quem lucre mesmo muito muito muito. À custa do sofrimento e da morte de tantos, obviamente, mas isso que importa aos senhores da guerra e a quem possui um deus por encomenda? A indústria da guerra é de tal modo lucrativa e poderosa, que facilmente põe muitas outras e gente de diversas áreas a trabalhar para si: da ciência em geral, da química, da mecânica, da construção, da navegação, da aeronáutica, dos transportes, das comunicações, da informação, da propaganda, etc., etc. Ora, quem investe em algo tão lucrativo não tem qualquer interesse em que o negócio pare, pelo contrário, tudo faz para que se desenvolva. Como se faz isso? Provocando guerras, inventando-as, criando ou alimentando rivalidades entre povos. Contra todos os princípios de ética e de humanismo.

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abril 04, 2023

O negócio de Deus

Deus é o maior negócio da humanidade. As grandes religiões monoteístas não se guerreiam pelo seu deus, mas pelo dinheiro e pelo poder que ele pode render. Ou melhor, as pessoas em geral pensam que se guerreiam pelo seu deus, mas o que interessa aos líderes é o poder e o dinheiro que podem lucrar. Quando se obrigava ou obriga as pessoas a seguir um deus, era ou é para manter e alimentar esse negócio, não para as salvar ou lhes mostrar a luz. Dentro de cada religião houve cisões que originaram divergências ou seitas. No cristianismo isso corresponde às diferentes Igrejas. Nalguns casos, quem as criou pode até ter tido a intenção de as libertar da corrente dominante para corrigir excessos, mas cedo elas se tornaram iguais à anterior, pelo menos em matéria de negócio. Na generalidade dos países, as religiões não pagam impostos ao estado, são as pessoas que pagam impostos às religiões, ainda que de livre vontade. Basta isso para que Deus se mantenha como o maior negócio da humanidade.

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outubro 23, 2022

Nuvens bonitas

Sempre me encantou ver nuvens. Brancas, cinzentas, negras, alaranjadas; pequenas, grandes, plenas de tufos, de aparência plana, etc. Tão diferentes as podemos encontrar. Já escrevi acerca da diversidade e da beleza peculiar das nuvens da Península da Arrábida (sei que o nome oficial é Península de Setúbal, mas já muita gente prefere o outro, que acho que vai acabar por vingar). As largas embocaduras do Tejo e do Sado, a norte e a sul, o atlântico e a planície, a poente e a nascente, assim como a presença da Arrábida tão junto ao mar, conferem a esta região caraterísticas geográficas, climáticas e atmosféricas únicas. E isso faz-se sentir nas formas, densidades, dimensões e cores das nuvens dum modo peculiar (pelo menos assim me parece). Ora surgem pequenas e esfarrapadas, longas e suaves ou densas e tenebrosas. E, claro, as suas formas, aqui como em qualquer lugar, são também muito sugestivas. De tempos a tempos, não me apercebi em que circunstâncias específicas, forma-se uma nuvem única, gigantesca e densa, algo assustadora e de um cinzento acastanhado. É uma nuvem baixa, que avança lentamente do lado do oceano, apresentando uma frente retilínea, com orientação norte-sul, e que lembra um pano de muralha. Chega a estar metade do céu da península debaixo dessa nuvem e a outra metade limpa, ou quase. Ao avançar vai perdendo densidade e, por norma, pouco mais acontece do que uma chuva ligeira. Tem piada o contraste entre a aparência tenebrosa dessa nuvem e os seus efeitos pacíficos.

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julho 28, 2022

Escravos do cigarro

Confesso que me faz muita impressão ver gente a fumar, e mais ainda quando o fumo me chega ao nariz. No que respeita ao tabaco, acho muito estranho várias coisas, que transponho para diversas perguntas: por que se fuma?, por que se fuma se o fumo faz tão mal?, por que fuma este e não aquele?, por que é tão difícil deixar de fumar?, por que é que tanta gente não consegue deixar de fumar?, que sentido faz estar constantemente a chupar um cigarro?, que sentido faz estar constantemente a introduzir fumo nos pulmões e veneno no organismo? Há as questões do vício, da adição, eu sei; mas parece-me sobretudo serem as fraquezas pessoais que levam a essa autoescravização. Não é o fumador que escolhe se e quando vai fumar, é o cigarro que diz ao fumador quando ele tem de ir fumar (e fá-lo frequentemente). E é estranho ver tanta gente a andar permanentemente ao ritmo das chamadas do tabaco. À trela do cigarro, no fundo, sem capacidade para lhe desobedecer.

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maio 11, 2022

De volta ao meu mundo

É sempre uma sensação muito boa entrar no ateliê depois de vários dias, sobretudo quando ausentado por outras paragens. É o regresso ao meu mundo, como lhe chamo. Quando lá volto sabe-me tão bem que nem faço nada. Fico apenas ali a olhar o espaço e os objetos por uma hora ou duas, sento-me e posso até deitar-me. E dormir. Apesar de estar sozinho sinto-me acompanhado. Por o quê? Pelo bem-estar de ali estar.

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maio 01, 2022

Copos de pé alto

Detesto copos de pé-alto. Que coisa mais sem jeito! Para tombar e entornar o conteúdo é do melhor que há. O copo de pé-alto é uma provocação à força da gravidade. Sai o copo a perder, claro. Qualquer toque que se lhe dê... pimba!, cai. Para mim, copo é o de taberna, em forma de tronco de cone. Nele se bebe água, cerveja, vinho, sumo ou chá. Tudo o que se quiser. Copo de pé-alto é mariquice que dispenso. Eu, que não paro com as mãos quietas quando estou a comer, enervo-me com a presença de copos de pé-alto. Com receio de os fazer tombar, nem como descontraído.


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novembro 14, 2021

Falta de tempo

Utilizar o argumento da falta de tempo para justificar algo que não se faz ou se adia (como a visita a um familiar ou amigo) chega a roçar a hipocrisia. Todos os dias têm 24 horas, cada hora tem 60 minutos e cada minuto tem 60 segundos, e todos do mesmo tamanho. Ou seja, toda a gente tem o mesmo tempo. O problema não está, pois, em não se ter tempo mas naquilo que cada um faz com ele. Quando alguém diz Não tenho tempo. deveria antes dizer Não faço essa coisa porque estou a fazer outra. Por norma, uma pessoa faz uma coisa e não outra porque assim escolhe, e não porque não possa. Mas esconde-se atrás do tempo.

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julho 14, 2021

Mudar de ideias

Há quem ache muito estranho que se mude de ideias e de convicções, considerando ser isso um sinal de fragilidade de caráter. Entendem, pelo contrário, ser uma virtude uma pessoa manter-se fiel a uma linha de pensamento e de atuação. Pois eu acho normal e desejável as pessoas mudarem de ideias e de convicções, como tudo muda, aliás. O mundo muda, a sociedade, a natureza. Na natureza a vida adapta-se, estando aí o segredo do seu sucesso. Até as montanhas aparentemente imóveis e eternas, emergiram do fundo do mar ou se deslocaram de outros continentes. Portanto, não mudar é que é sinal de fraco caráter. É frequente ouvir-se da boca de alguns políticos extremistas coisas como Eu não sou como aqueles que hoje dizem uma coisa e amanhã dizem outra. E fazem-no com grande convicção e orgulho. Coitados. 

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junho 29, 2021

Uma conquista

Não me peçam para andar à pressa nem para fazer hoje o que era para ontem. Tive a minha dose de correrias e de stresse. Agora ando na vida sem pressa, para a sentir passar devagar. O que virá depois desta fase não sei. Se outra houver, que venha, e se necessário for acelerar um pouco, acelero. Logo se vê. Para já, não corro. Escolhi um ritmo pacato, lutei por ele, conquistei-o e estou a gostar. Nesse ritmo, eu sinto-me como nunca me tinha sentido. Antes sentia-me andar à volta ou afastado de mim. Agora estou coincidente comigo. Ou tenho a ilusão de estar, o que em termos de boa sensação vai dar no mesmo. Tolerante e compreensivo já era, mas agora estou mais paciente. E com outra capacidade de trabalhar naquilo que quero e de que gosto. Também tenho agora mais disponibilidade e sensibilidade para sentir os outros. E isso é bom. 

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junho 08, 2021

A beleza do vento

O vento pode ter a sua beleza, apesar de invisível. Modifica algumas coisas e faz-nos ver algo que antes não víamos. Hoje, ao passar perto duns grandes choupos, ao final da tarde, soprava um vento fresco que virava as suas folhas. Acontece que há choupos cujas folhas são verdes por cima e brancas por baixo. De modo que havia momentos em que as grandes árvores ficavam brancas, como se cobertas por flocos de neve. Observei a beleza do vento também nos delicados movimentos de certas ervas altas e pequenos e esguios arbustos. E numa ave de rapina que, bem alta, embalava o seu voo nele. Até o canto dos passaritos me pareceu mais belo, chegando-me aos ouvidos através do vento que soprava.

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junho 04, 2021

A ânsia da notícia

Parece-me que a generalidade dos jornalistas de televisão tende a endoidecer. Não só esses, mas todos os que que fazem da ânsia de noticiar o foco do seu trabalho, quase um objetivo de vida. Como se os espetadores lhes tivessem pedido algo a que têm de corresponder. Querem noticiar primeiro e garantir grandes audiências. Preferem desgraças a coisas positivas, os dramas à felicidade. São uma espécie de mensageiros da tragédia, da tristeza e da inveja. Pessoas ansiosas. Fazem tudo rápido e dinâmico. Alguns dão as notícias de pé, ou estão sentados e depois levantam-se, e esbracejam a apontar para gráficos. Alguém lhes ensinou que isso prende os espetadores (mas há muita gente que não quer ficar presa). Mas depois engasgam-se e enganam-se, e dão notícias com falhas, e outras falsas. E constroem notícias que não o são. E chegam a fazer notícias do que está para acontecer. Presumindo. E depois há as notícias que passam em rodapé, que chegam a ser três, além da que está a ser falada. E nessas notícias de rodapé há frases estáticas e outras que se deslocam a diferentes velocidades. Chamam-lhes lagartixas. Tudo isto é doido e acontece ao ritmo com que o mundo se encaminha para o abismo. E por isso é tão bom não ver televisão. Ou não ver estas coisas.


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maio 07, 2021

Cansaços

Certas coisas dão-me tanto trabalho, provocam-me cansaços tão grandes... Mas ninguém se apercebe disso porque eu sorrio e comporto-me de um modo natural (não sei de outro) que camufla a realidade. O físico também se aguenta bem, é certo. Estou tão cansado de certos livros que estou a escrever, por envolverem pesquisas e serem extensos, que às vezes mais me apetece desistir deles do que continuá-los. Pintar cansa-me menos e o gosto da obra é mais imediato, mesmo quando ainda inacabada. Mas o gosto da obra escrita é muitas vezes tardio, surgindo só depois duma sucessão de muitos (ou imensos) cansaços. Se me lamento às vezes destes cansaços da escrita, por que continuo a escrever? Esta é uma das dúvidas que prefiro se mantenha um mistério.

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abril 24, 2021

A melhor vista para o crime

Há muito tempo que desejava ir a São Leonardo da Galafura, de onde se tem uma das vistas mais deslumbrantes para o vale do Douro. Fizemos a estreita e sinuosa estrada da barragem do Pinhão até lá, passando por Covelinhas. Tem troços muito estreitos, vertiginosos e com curvas muito apertadas, subidas e descidas muito íngremes. Foi arrepiante, sobretudo quando nos cruzávamos com algum carro estando nós do lado do precipício. Chiça! Lá em cima, junto da capela dedicada ao santo da aldeia da Galafura, está um miradouro natural muito alto, de onde se tem uma vista de 360º para vales e serras a perder de vista. Em dois painéis de azulejos estão um poema e um pequeno texto em prosa de Miguel Torga, alusivos ao local. Mas o que têm aquelas encostas que em tempos estavam cobertas de vegetação autóctone? Vinhas, vinhas e vinhas! Mais de 90% dos terrenos que a vista alcança por dezenas de quilómetros estão cobertos de vinhas, desde as margens do rio até ao topo das montanhas. Raras nesgas da vegetação original subsistem, e tudo leva a crer que será por pouco tempo. Devia ter-se estabelecido cotas para as vinhas, para que não se tivesse chegado onde se chegou. Uma tristeza! Não consegui gostar do que vi, pois o que dali se vê é a vista mais ampla para o enorme crime ambiental que são as vinhas do Alto Douro Vinhateiro. Um crime ambiental classificado como património da humanidade pela UNESCO. E milhões de pessoas bebem vinho dali, de videiras carregadinhas de herbicidas, pesticidas e adubos artificiais. Algumas placas na estrada, junto a áreas minúsculas de mato, indicam zona de caça. Ou seja, naquelas nesgas que são o pouquíssimo que sobra dos seus imensos territórios, alguns dos animais que ali se refugiam ainda são alvo de caça. Este é mais um capítulo do crime que são os desequilíbrios ambientais que por ali acontecem. 

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abril 14, 2021

Medrosos ditadores

Os ditadores são as pessoas mais medrosas do mundo. Têm tanto medo que precisam ter o exército e a polícia do seu lado, a protegê-los. Nas aparições públicas estão rodeados de guarda-costas e polícias armados. E são tão fracos que precisam duma ideologia para os suportar. O seu medo e as suas fraquezas levam-nos a amedrontar os outros. São fracos e medrosos. Quem é forte não precisa disso.


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O sentido da vida

A vida não traz sentido com ela, por isso não se o procure. Sentido é coisa humana, não é coisa da natureza. Mas se alguém quiser, e puder, dê sentido à sua vida. E isso já será muito.


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abril 12, 2021

Subsiste a palavra

Impérios sucedem-se a outros impérios, países a países, culturas a culturas, religiões a religiões. Das ruínas de uns se erguem outros. A História segue entre ser lembrada, esquecida ou manipulada. Se a História não vingar, resta a lenda ou a memória. E quando já mais nada houver, subsiste a palavra. A palavra é a herança última da humanidade.

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abril 07, 2021

O contrário do óbvio

Às vezes ocorrem-me raciocínios muito simples de onde nascem conclusões que me parecem muito certeiras. Tão simples e elementares (descomplicadas, que é uma palavra que por aí muito se diz e com que simpatizo) que me surpreendem mais do que muitos raciocínios complexos dos quais pouco sumo pinga. Vejamos… Quem mais fala de liberdade e democracia não as pratica nem as deseja, e defende regimes onde elas não existem; quem muito fala de amor e paixão duvido que tenha as melhores intenções, e num momento de desequilíbrio logo chispará ódio; quem não se cala com a justiça é, no fundo, capaz das maiores injustiças; quem mais fala de combate à corrupção é quem mais contribui para a camuflar ou fazer proliferar; quem muito fala em trabalho está sempre à espreita duma oportunidade para não trabalhar, ou para que outros trabalhem por ele; quem muito fala de paz e de harmonia entre os povos fá-lo para desviar a atenção de guerras que, na realidade, defende e promove. A isso chamo o contrário do óbvio, por me ser tão óbvio que, por um qualquer mecanismo de compensação, se vozeie aos sete ventos precisamente o contrário daquilo que se defende. Quem a sério defende os bons valores tem isso como tão natural e enraizado que não precisa de os espalhar aos sete ventos. Porque os pratica, e pronto.


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