junho 30, 2021

A um dia do aniversário

Tenho a sensação de que a minha saúde não anda em boas condições. Pode ser só impressão, por andar a trabalhar muito nesta altura, sobretudo com as explicações de Geometria Descritiva, por nem sempre dormir bem e por muitos projetos ter na cabeça. Mas também pode ser que esteja a ficar realmente doente, pois o meu corpo dá-me sinais que me incomodam particularmente. Há que esclarecer isso para ver o que realmente se passa. Entretanto, hoje voltei a ler Clarice Lispector e a ouvir textos dela, muito bem ditos pela Maria Bethânia. E só depois reparei que estou a um dia de fazer 57 anos e que ela morreu precisamente com essa idade. Não é bom pensar estas coisas, mas então...

do projeto Sincrónicas e anacrónicas

junho 29, 2021

Uma conquista

Não me peçam para andar à pressa nem para fazer hoje o que era para ontem. Tive a minha dose de correrias e de stresse. Agora ando na vida sem pressa, para a sentir passar devagar. O que virá depois desta fase não sei. Se outra houver, que venha, e se necessário for acelerar um pouco, acelero. Logo se vê. Para já, não corro. Escolhi um ritmo pacato, lutei por ele, conquistei-o e estou a gostar. Nesse ritmo, eu sinto-me como nunca me tinha sentido. Antes sentia-me andar à volta ou afastado de mim. Agora estou coincidente comigo. Ou tenho a ilusão de estar, o que em termos de boa sensação vai dar no mesmo. Tolerante e compreensivo já era, mas agora estou mais paciente. E com outra capacidade de trabalhar naquilo que quero e de que gosto. Também tenho agora mais disponibilidade e sensibilidade para sentir os outros. E isso é bom. 

do projeto Entre deuses e diabos

junho 27, 2021

Um banho em Asnières - Georges Seurat

Luz, cor e rigor! Mas... para onde olham as figuras?

os meus quadros preferidos

junho 24, 2021

Doce aroma

No topo poente da avenida Luísa Todi existem dezenas de tílias, que em maio-junho estão em flor. Andar sob as suas copas densas e viçosas é muito agradável, sobretudo nessa altura. O cheiro doce e calmante das suas flores, apesar de suave, chega a sobrepor-se aos dos grelhados e fritos que saem dos restaurantes próximos. Basta estar atento e inspirar naturalmente. 

do projeto Sincrónicas e anacrónicas

junho 21, 2021

O contrário do óbvio

Às vezes ocorrem-me raciocínios muito simples de onde nascem conclusões que me parecem muito certeiras. Tão simples e elementares (descomplicadas, que é uma palavra que por aí muito se diz e com que simpatizo) que me surpreendem mais do que muitos raciocínios complexos dos quais pouco sumo pinga. Vejamos… Quem mais fala de liberdade e democracia não as pratica nem as deseja, e defende regimes onde elas não existem; quem muito fala de amor e paixão duvido que tenha as melhores intenções, e num momento de desequilíbrio logo chispará ódio; quem não se cala falando de justiça é, no fundo, capaz das maiores injustiças; quem mais fala de combate à corrupção é quem mais contribui para a camuflar e fazer proliferar; quem muito fala em trabalho está muitas vezes à espreita de oportunidades para não trabalhar, ou para que outros trabalhem por ele; quem muito fala de paz e de harmonia entre os povos fá-lo para desviar a atenção de guerras que, na realidade, defende e promove; nenhum país que se intitula república democrática é uma democracia, nenhum país que se diz república popular tem respeito pelo seu povo. A isso chamo o contrário do óbvio, por me ser tão óbvio que, por um qualquer mecanismo de compensação, se vozeie aos sete ventos precisamente o contrário daquilo que se defende. Quem a sério defende os bons valores tem isso como tão natural e enraizado que não precisa de fazer bandeira deles. Porque os pratica, e pronto.

do projeto Sincrónicas e anacrónicas

junho 16, 2021

Património que se perde


A moradia era deslumbrante e, apesar do seu estado de degradação, ainda deslumbra. Esta imagem mostra apenas um detalhe daquilo que há décadas se vê transformar em ruínas. Na Avenida dos Combatentes, em Setúbal. 

coisas por aí...

junho 11, 2021

Mamíferos - Jesús Lizano

Eu vejo mamíferos.
Mamíferos com nomes estranhíssimos.
Esqueceram-se que são mamíferos
e creem-se bispos, canalizadores,
leiteiros, deputados. Deputados?
Eu vejo mamíferos.

Polícias, médicos, porteiros,
Professores, alfaiates, cantautores.
Cantautores?
Eu vejo mamíferos…

Presidentes, criados, escriturários, mestres d´obra.
Mestres d´obra!
Como pode crer-se mestre d´obra um mamífero?
Membros, sim, membros, creem-se membros
do comité central, da ordem dos médicos…
académicos, reis, coronéis.
Eu vejo mamíferos.

Atrizes, putas, assistentes, secretárias,
diretoras, lésbicas, puericultoras…
Na verdade, eu vejo mamíferos.
Ninguém vê mamíferos,
ninguém, ao que parece, se lembra que é mamífero.
Serei eu o último mamífero?
Democratas, comunistas, xadrezistas,
jornalistas, soldados, camponeses.
Eu vejo mamíferos.

Marqueses, executivos, sócios,
italianos, ingleses, catalães.
Catalães?
Eu vejo mamíferos.

Cristãos, muçulmanos, coptas,
inspetores, técnicos, beneditinos,
empresários, caixeiros, cosmonautas…
Eu vejo mamíferos.

poema traduzido por Carlos d'Abreu

- textos doutros autores -

junho 08, 2021

A beleza do vento

O vento pode ter a sua beleza, apesar de invisível. Modifica algumas coisas e faz-nos ver algo que antes não víamos. Hoje, ao passar perto duns grandes choupos, ao final da tarde, soprava um vento fresco que virava as suas folhas. Acontece que há choupos cujas folhas são verdes por cima e brancas por baixo. De modo que havia momentos em que as grandes árvores ficavam brancas, como se cobertas por flocos de neve. Observei a beleza do vento também nos delicados movimentos de certas ervas altas e pequenos e esguios arbustos. E numa ave de rapina que, bem alta, embalava o seu voo nele. Até o canto dos passaritos me pareceu mais belo, chegando-me aos ouvidos através do vento que soprava.

do projeto Entre deuses e diabos

junho 05, 2021

Las Meninas - Diego Velázquez


Que outro quadro se compara com este? Em termos de... tudo, afinal!: composição, espacialidade, luz, ar, dinâmicas, surpresa, psiquismos, pincelada, rigor, técnica, criatividade...

os meus quadros preferidos

junho 04, 2021

A ânsia da notícia

Parece-me que a generalidade dos jornalistas de televisão tende a endoidecer. Não só esses, mas todos os que que fazem da ânsia de noticiar o foco do seu trabalho, quase um objetivo de vida. Como se os espetadores lhes tivessem pedido algo a que têm de corresponder. Querem noticiar primeiro e garantir grandes audiências. Preferem desgraças a coisas positivas, os dramas à felicidade. São uma espécie de mensageiros da tragédia, da tristeza e da inveja. Pessoas ansiosas. Fazem tudo rápido e dinâmico. Alguns dão as notícias de pé, ou estão sentados e depois levantam-se, e esbracejam a apontar para gráficos. Alguém lhes ensinou que isso prende os espetadores (mas há muita gente que não quer ficar presa). Mas depois engasgam-se e enganam-se, e dão notícias com falhas, e outras falsas. E constroem notícias que não o são. E chegam a fazer notícias do que está para acontecer. Presumindo. E depois há as notícias que passam em rodapé, que chegam a ser três, além da que está a ser falada. E nessas notícias de rodapé há frases estáticas e outras que se deslocam a diferentes velocidades. Chamam-lhes lagartixas. Tudo isto é doido e acontece ao ritmo com que o mundo se encaminha para o abismo. E por isso é tão bom não ver televisão. Ou não ver estas coisas.


do projeto Entre deuses e diabos