agosto 31, 2021

Revelação


 Revelação - acrílico sobre tecido, lado menor: c.155cm
É a criação mais recente, feita há dias sobre um tecido com marcas de outros trabalhos. Ainda sinto o cheiro da tinta e ainda vejo a Teresa, com metade do corpo pintado de branco, a carimbar-se nele. A expetativa e as dúvidas são sempre grandes, por isso os títulos às vezes refletem essas incertezas. Gosto desse território, que é também o da surpresa, em que eu pouco sei do que irá surgir.

da série Carimbos

agosto 28, 2021

João Mendão


Doze anos na Casa do Gaiato, vinte anos sem abrigo e outras coisas que não digoJoão Mendão é um pintor único, dos que verdadeiramente pintam com a alma. Noutro país seria um pintor de topo, um caso de estudo, por cá poucos sabem ver isso e muitos o olham como mendigo.

Pessoas

agosto 25, 2021

A árvore

Quando passo pela árvore grande e velha 

Aceno-lhe com a mão e digo sorrindo: 

— Olá, árvore grande e velha 

     que aí estás especada! 


Ela acena-me, sorri também, e responde:

— Olá, pessoa pequena e nova 

     que aí vais passando! 


(Para uma árvore grande e velha 

uma pessoa é sempre pequena e nova) 


As árvores estendem ramos de acenos 

E agitam folhas de sorrisos 

Que cumprimentam quem passa


Mas só alguns sabem dar por isso 


do projeto Poemas com e sem penas

agosto 22, 2021

A beleza das coisas - Alberto Caeiro

        Às vezes, em dias de luz perfeita e exata, 
        Em que as coisas têm toda a realidade que podem ter, 
        Pergunto a mim próprio devagar 
        Por que sequer atribuo eu 
        Beleza às coisas. 

        Uma flor acaso tem beleza? 
        Tem beleza acaso um fruto? 
        Não: têm cor e forma 
        E existência apenas. 
        A beleza é o nome de qualquer coisa que não existe 
        Que eu dou às coisas em troca do agrado que me dão. 
        Não significa nada. 

        Então por que digo eu das coisas: são belas? 
        Sim, mesmo a mim, que vivo só de viver, 
        Invisíveis, vêm ter comigo as mentiras dos homens 
        Perante as coisas, 
        Perante as coisas que simplesmente existem. 

        Que difícil ser próprio e não ver senão o visível! 

- textos doutros autores -

agosto 19, 2021

Lugar às flores


Esta rua de Trancoso é assim, pejada de hortênsias que irrompem junto das paredes, e de outras flores que pendem de vasos. Nela não passam carros, e nalgumas travessas perpendiculares a esta rua dificilmente passam pessoas, tal é a quantidade e as dimensões das flores que nelas há.

coisas por aí...

agosto 16, 2021

Parlenga do papa

— O que papa o papa?
— O papa papa papa.
— De certeza que o papa papa papa?
— Papa papa, é por isso que o papa é papa!
— Mais alguém papa da papa que o papa papa?
— Não, da papa que o papa papa só o papa papa.
— E o papa papa muita papa?
— O papa papa imensa papa.
— Por que papa o papa tanta papa?
— Para que a papa que o papa papa faça do papa um papão.

do projeto Poemas com e em penas

agosto 15, 2021

Parlenga do padre

— O padre tem padre?
— Todo o padre tem padre.
— E o padre será padre?
— Todo o padre é padre!
— Padre é padre, sim, mas poderá um padre ser também padre?
— Padre que é padre não deverá ser padre.
— Mas há padre que é duplamente padre.
— Sim, mas o padre padre não é o padre padrão.

do projeto Poemas com e sem penas

agosto 13, 2021

Parlenga do cura

— O cura cura?
— Não, o cura não cura.
— Se o cura não cura por que se chama cura?
— Não sei, mas sei que o cura não cura.
— E será que o cura tem cura?
— Não, o cura não tem cura.
— Então o que faz um cura que não cura e que também não tem cura?
— Um cura alimenta a loucura.

do projeto Poemas com e sem penas

agosto 11, 2021

O som da cidade

A primeira coisa que faço quando me levanto é abrir a janela, ou melhor, a metade do lado direito e colocar na horizontal as lamelas da respetiva portada para entrar luz. Vejo a quinta aqui perto e ao longe o casario da cidade. Às vezes ponho-me a olhar um ou outro detalhe. Hoje pus-me a ouvir. E o que da minha casa se ouve melhor, sobretudo durante a noite e a madrugada, se não houver cães a ladrar, é um som surdo que a cidade e seus arredores emitem, uma espécie de ooommm… onde parece dominante o som dos veículos que circulam e das fábricas que trabalham. Mas como esse som não será só isso, mas uma mistura de todos os sons que na cidade e redondezas se produz, pus-me a imaginar que também há nessa mistura os sons emitidos pelas pessoas e objetos em que mexem. Nesse ooommm constante estão certamente também todas as conversas, todos os passos, bocejos, berros e beijos, sem que se consigam distinguir, sem que se consigam identificar.

do projeto Anuário de banalidades

agosto 08, 2021

Sombra numa escada


Há uns anos deu-me para começar a fazer fotografias da minha sombra. Não procuro as situações, mas quando deparo com alguma interessante, fotografo. Gosto desta pelo cinzento-ardósia das pedras e pelas sombras dos degraus que atravessam a do corpo. Foi tirada junto do que resta do castelo de Vinhais.

Sombras de mim

agosto 03, 2021

Crer ou não crer

Acreditar é ser empurrado e rasteirado a todo o momento. Não acreditar é ter o amparo de coisa nenhuma.

- Frases soltas -

agosto 01, 2021

Mudar de pele


 Mudar de pele - acrílico sobre tecido, lado menor: c.155cm

da série Silhuetas