outubro 29, 2021
O padre triste
outubro 27, 2021
Pôr-do-sol
outubro 24, 2021
420 dias?
outubro 20, 2021
Breve etimologia política
Anarquistas fazem anais conquistas
Burocratas são burros com metade das patas
Capitalistas capitulam as calistas
Comunistas são comuns alienistas
Corporativistas têm corpos ativistas
Ditadores ditam aos outros as suas dores
Fascistas com asco fazem-se trocistas
Liberalistas são livres e beras para fazer listas
Monárquicos são monos hierárquicos
Republicanos regam o público com canos
Socialistas são sócios dos cabalistas
Outros …anos são tiranos todos os dias, meses e anos
Outros …atas vão às gatas e roubam-lhes as ratas
Outros …icos fazem em fanicos pobres e ricos
Outros …istas são especialistas em eliminar antagonistas
Outros …ores espalham maus odores com seus horrores
— E o que fazem os democratas?
— Jogam com o demo às cartas!
- do projeto Poemas com e sem penas -
outubro 17, 2021
Pensamento além de mim
- do projeto Sincrónicas e anacrónicas -
outubro 13, 2021
A exposição continua
outubro 11, 2021
Sobre "A superfície das coisas" - João Reis Ribeiro
“Reflexão” se intitula o primeiro septenário, sendo a incursão inicial em torno da inevitabilidade e da presença da morte em todo o percurso da vida, que, mesmo assim, é qualificada como “preciosa”, adjectivo intenso na valoração, e como “única”, qualificativo prenhe de sentidos e de relativização. O que parece conferir este elevado estatuto à vida é o encontro com a alma, remetida para o sentir, para o amor, formas próximas de explicar um mundo de dúvidas, ainda que de maneira ilusória.
O segundo conjunto toma o título do livro, “A profundidade das coisas”, um caminhar até “misterioso interior”, amplo espaço de escuridão, com o poeta a tentar orientar-se pelos sentidos e a registar o seu “espanto” que não quer descrever, que não pretende definir, pois “palavras são compromissos” e “compromissos são prisões”. Na verdade, este poeta acaba por não querer “escavar mais nas coisas”, preferindo “o suave respirar da superfície / ao pesado sufoco da profundidade”, pois não quer correr o risco de aniquilar a doçura dos sentidos, campo que domina a terceira parte, “Lamber amor”, um título todo ele sensorial, a cobrir as sensações experimentadas desde o nascimento, na relação estabelecida entre mãe e filho, passando pela descoberta e construção do amor, num trajecto animado pelas sensações, por ondas de erotismo, numa valorização trazida pelo jogo de palavras, em que se acentuam os “mistérios a descobrir”.
E entra o leitor na quarta parte, “Complexa inteligência”, conjunto de poemas dominados por olhar mais científico, percurso entre o “big-bang” e o ser humano em que sucedeu “tudo muito devagar”, aí se incluindo a criação das ilusões e a contradição maior que o ser humano criou, ignorando a demora, acelerando o mundo - “Eagoratudosepassatãodepressa / Tão difícil de parar”, distâncias graficamente assinaladas por maior separação entre as palavras quando se fala da vagareza da criação e pela sua junção quando se evoca a rapidez da vida.
Contudo, as duas últimas partes carregam alguma esperança, não porque constituam um programa alternativo, mas porque proporcionam a afirmação do poeta nas suas “Divagações” de independência e de se sentir alheio à máquina que trucida o tempo, assumindo um caminho próprio - “Fiz de mim uma construção / onde gosto de estar // Nela habito e nela sonho // Se essa construção deixar de me agradar / Erguerei outra”. É o poeta no seu paraíso, no seu jardim das delícias, jogando consigo próprio, aceitando-se e recusando-se, em permanente questionamento.
Todos estes passos são necessários para atingir o final em “Pacificadoras palavras”, surgindo nos sete poemas essa remissão do poeta para um mundo de mais silêncio, com palavras “sem som e sem forma”, que não prendam, buscando equilíbrio e paz. É nesta derradeira parte que o poeta se afirma, distanciando-se do banal e aproximando-se do mundo através do utensílio com que trabalha, a palavra - “Estou aberto para o mundo / Através dos meus sentidos / Ao mundo me conecto através deles / E das palavras que dele dizem // Ligar-me às palavras / E por elas ligar-me a tudo / Aí reside a grande magia”.
A superfície das coisas cumpre assim a sua peregrinação, permitindo a incursão no mistério, desconstruindo convenções e protegendo o essencial. Era necessário que este trajecto se cumprisse para a valorização da própria poesia e para a afirmação do poeta - é que, como registou Tolentino Mendonça, “a poesia não serve para distrair, nem ornamentar, mas para nos reconduzir em chave sapiencial ao coração da vida.” É aí que se encontra o paraíso!