abril 01, 2021

Preto e negro

Para ser politicamente correto, o título desta crónica deveria ser Preto ou negro, mas não, é assim mesmo: Preto e negro. Bem mais do que politicamente correto, prefiro ser honesto. Surgem agora facilmente ondas de racismo, bastando para isso uma palavra suscetível de ser mal interpretada e que, assim, gere conflito. Ou, pelo menos, controvérsia. Depois, os distúrbios da cabeça de cada um (por vezes marcados por passados dolorosos ou humilhantes, é certo) fazem o resto. E o resto chega facilmente à ofensa, ao ódio e à violência. Basta usar a palavra preto em vez de negro, por exemplo, mesmo por distração, mesmo sem intenção de ofender. Eu uso ambas, indiferentemente, pois para mim são sinónimos. Sai-me aquela que sair, sem que lhe associe qualquer juízo de valor. Amigos, colegas, vizinhos, conhecidos, desconhecidos e alunos que tenham a pele escura, para mim são pessoas. Se tiver de falar deles poderei referir-me à cor da pele, sim, dizendo que é preto ou negro, ou escuro. E não estarei a ofender porque pela minha cabeça não passa ofensa. Os de pele escura que me conhecessem sabem que assim é, porque também usam entre si os mesmos adjetivos, e alguns até brincando com isso. Também eu sou branco ou claro, ou cor-de-rosa, ou lixívia, ou cal. Feio e ofensivo será do adjetivo fazer substantivo. Dizer O Manuel é preto é diferente de dizer O preto é Manuel. Dizer que uma pessoa é negra é diferente de dizer que o negro (se calhar) é pessoa. Para evitar conflitos e mal-entendidos basta usar as palavras corretamente, com decência, com justeza. Mas para isso é preciso que estejam de acordo com o que se passa dentro da cabeça, esperando que também ela seja decente e justa.

do projeto Sincrónicas e anacrónicas