maio 25, 2022

O monstro da razão

A razão enleia o pensamento e desnorteia quem por ela se tenta guiar. Há muito se sabe que a razão produz monstros ou que o sonho da razão produz monstros (como aparece numa gravura de Goya), por esta conduzir sempre a conflitos com os outros e até consigo mesmo. Quem invoca a razão para sustentar uma opinião afunda-se sempre nela, porque é da sua natureza ser pantanosa. Quando argumentam comigo trazendo a razão à baila eu não a ponho em causa. Quem sou eu para tirar a razão a quem acha que a tem! Se cada um tem a sua e lhe quer muito como a um diamante, então que a guarde, mas ela não passa duma pedra sem brilho. Autores como Fernando Pessoa, Jorge Luis Borges, Franz Kafka ou Clarice Lispector desmontam isso muito bem. Lendo-os apercebemo-nos de outras maneiras de pensar, de olhar e de sentir o mundo, sem os embustes da razão, da lógica e até mesmo da coerência. Como diz José Cid, coerente era a minha tia, porque as pessoas coerentes são limitadas e desinteressantes. O apenas sentir e ver é muito mais válido do que aparenta. É uma tontice uma pessoa dizer a outra que ela não tem razão. O que se passa é que cada uma terá a sua, já que a razão não representa um saber absoluto nem é propriedade de ninguém. Quando o diálogo se transforma em discussão e logo a seguir em violência verbal, pelo menos, surge o monstro. E chama-se-lhe assim porque nenhum dos dialogantes o consegue dominar. As pessoas gostam de esgrimir argumentos quando discutem, fazendo disso uma catarse de que certamente precisam. Quem tenta ganhar uma discussão comigo nunca consegue, porque eu não discuto. Apenas dou opiniões, entre tantas que existem, não esperando sequer que sejam mais válidas do que as dos outros. Por isso, longe de mim querer impingi-las a alguém. Assentes na razão ou no que quer que seja, opiniões todos as têm, porque é fácil tê-las, difícil mesmo é ter ideias.

- do projeto Sincrónicas e anacrónicas -