fevereiro 03, 2024

Esmola

Raramente dou esmolas, porque raramente me parece serem sinceros os pedidos. Por outro lado, cruzo-me com gente que certamente precisaria de esmola mas que, por orgulho ou vergonha, não a pedem. E quando dou, às vezes arrependo-me. Hoje dei esmola a um velho que estava sentado num banco de jardim, a meio da principal avenida da minha cidade. À distância vi-o pedir a uma mulher, que lhe deu uma moeda. Eu aproximava-me dele e percebi que me iria pedir também. E assim aconteceu. Estendeu a mão e o olhar na minha direção e disse baixo algumas palavras que não entendi. Passei à sua frente, olhei-o de relance mas segui. A minha mulher disse Cheira tão mal a mijo! Eu não me apercebi, mas olhei para trás e parei. Então, vi melhor a figura daquele homem, que ainda olhava para mim, mas agora de mãos nos joelhos. A sua roupa estava sebenta e a sua pele suja e gordurosa. Tinha boina na cabeça e uma bengala ao seu lado. Peguei na carteira, tirei uma boa moeda, voltei para trás e coloquei-a na mão do homem. Ele agradeceu com uma lengalenga longa da qual só entendi algumas palavras. Não lhe senti mau cheiro, nem me arrependi de lhe ter dado a esmola.

- do projeto Anuário de banalidades -