Tenho um gato cuja maior mestria é dormir, como sucede com qualquer gato. Olha para mim quase sempre que olho para ele. Às vezes pergunta-me Então, o que se passa contigo? Incomoda-me o seu olhar e as suas perguntas. Nem sempre lhe respondo e chego até a virar-lhe as costas, mas fico a pensar nele. Os gatos passam dois terços da vida a dormir, e em dois terços do tempo que passam acordados estão silenciosos, parados e de olhos semicerrados, sentindo a verdade como ela é: agora e sem porquês. Quando me sento no sofá, vai para o meu colo e olha-me duas ou três vezes com um ar ensonado, dizendo Vou mostrar-te como se dorme. Dá meia-volta, enrosca-se num abraço fraterno ao sono, olha-me uma última vez para confirmar que ainda estou a olhar para ele, e pronto. Depois fico a sentir-lhe o ronrom e a fazer-lhe festas suaves e lentas. Tranquiliza-me, dá-me sono…, mas não durmo.
- parágrafo do Monólogo das insónias -