maio 25, 2025

Um músico de rua

Desci a rua Augusta serpenteando entre turistas e esplanadas, lançando olhares para todo o lado, apanhando de relance alguns artistas de rua: estátuas-vivas, músicos, bailarinos e habilidosos de coisas sem mestria. Já no fim, perto do arco, deparei com um velho a tocar viola. Vestia roupas coloridas, algo circenses, e tinha na cabeça um chapéu de tecido mole e largo que lhe tocava nos ombros e quase impedia que se visse o seu rosto. Por estar sentado num banco com cerca de um palmo de altura, tinha a perna direita estendida e a esquerda um pouco dobrada, e entre elas a viola. Aproximei-me para o ouvir. Entretanto, reparei que tremia o maxilar inferior umas quatro-cinco vezes por segundo, fechando e abrindo ligeiramente a boca, como se tivesse um tipo de parkinson manifestando-se apenas na mandíbula. Afinal o homem não tocava, limitando-se a raspar com as unhas da mão direita nas cordas da viola, desafinada, e a mudar de sítio, sem qualquer lógica, o polegar da mão esquerda, que apenas pressionava as cordas mais graves. Não se tratava dum prelúdio para algo que viesse depois e, eventualmente, surpreendesse, mas de gestos infinitamente repetidos. Eu estava perante a imagem dum homem fisicamente débil e mentalmente decrépito, de olhos baixos quase semicerrados, num mundo fechado ao reboliço à sua volta. Se me tivesse ocorrido fotografá-lo não o teria feito, por um certo pudor; ocorreu-me dar-lhe uma moeda, mas não dei, não sei dizer porquê.

- do projeto Sincrónicas e anacrónicas -

maio 02, 2025

Campo florido


Campo florido num dia de primavera. É um recanto da várzea de Setúbal com o castelo de Palmela ao fundo.

- Coisas por aí -