Ia eu a andar pela crista da pequena serra do Louro, perto de Palmela, já no lusco-fusco, quando um inseto, do qual vi apenas o movimento mas que me pareceu do tamanho duma abelha, passou a voar rápido por trás de mim, de imediato sentindo uma dor aguda muito forte. Parecia que tinha sido chicoteado por uma corda metálica de guitarra ou golpeado superficialmente por uma fina lâmina, passando na horizontal pelas extremidades inferiores das omoplatas. Instalou-se um ardor forte nessa linha, de onde por vezes irradiavam pequenos espasmos musculares, ora para cima, ora para baixo, também pelo braço esquerdo, chegando a causar-me um ligeiro mal-estar, próximo da náusea. Tirei a blusa, que não tinha marca de coisa alguma, nem por dentro nem por fora, para que a aragem me desse algum conforto, passando ao de leve com ela pelas costas, de modo a diminuir o ardor. Estava perplexo com o sucedido, receando que pudessem surgir piores reações a este ataque dum inseto voador não identificado. Em casa pude ver ao espelho que muito perto da extremidade inferior de cada omoplata estava uma baba rosada, plana e das dimensões da moeda de dez cêntimos. Não havia, afinal, qualquer linha, mas dois pontos onde algo foi injetado. Mas injetado como, se o inseto não pousou em mim nem entrou por baixo da blusa? No dia seguinte, apenas o ardor estava menos forte. Fui a uma farmácia, mostrei as costas e contei o sucedido, captando a atenção dos quatro farmacêuticos que estavam de serviço. Como ninguém sabia ao certo de que bicho se tratava, venderam-me uma pomada e uns comprimidos antialérgicos comuns, sugerindo-me uma ida ao hospital, caso os sintomas se mantivessem ou agravassem, o que não veio a acontecer. Entretanto pus-me a pesquisar e descobri que poderei ter sido atacado por um besouro-bombardeiro, inseto que desconhecia, mas que fiquei a saber que contém no seu corpo dois venenos em bolsas separadas, que se juntam ao serem expelidos a uma grande velocidade, atingindo uma temperatura de cem graus. Encontrei vídeos que mostram o besouro a bombardear formigas e aranhiços, que de imediato morreram ou ficaram paralisados. De facto, o forte ardor inicial que senti pode ter-se devido tanto à composição do veneno como à sua temperatura. O ardor foi diminuindo, desaparecendo ao fim de cinco ou seis dias, e as manchas das babas passados mais alguns.
- do projeto Sincrónicas e anacrónicas -