Esta fotografia mostra a Estátua da Liberdade, dum ângulo e momento em que a bandeira dos Estados Unidos oculta a tocha erguida pela mão. A tocha simboliza a luz e a esperança por um mundo melhor. Sinais dos tempos, e dos ventos...
- coisas por aí -
Espaço de divulgação da obra e da atividade do autor
- coisas por aí -
Nos últimos meses pintei com alguma intensidade, dois rostos de grandes dimensões sobre tela. Intensidade nos gestos e no querer ver as obras a progredir. Para aproveitar o tempo que tinha disponível, fiz sessões de muitas horas. O ombro direito foi ficando massacrado, pelos gestos repetitivos com o braço horizontal, estendido para a tela. Dores e contraturas musculares instalaram-se algumas vezes, devidamente tratadas por uma competente fisioterapeuta. Mas o trabalho intenso continuou e instalou-se também uma tendinite (é o que parece), que me tem dado dores muito fortes. Por isso estou sem pintar há algumas semanas, aguardando que massagens e acupuntura tratem do problema. Não posso pintar, mas posso escrever.
- do projeto Sincrónicas e anacrónicas -
- retratos -
- Sombras de mim -
Ia eu a andar pela crista da pequena serra do Louro, perto de Palmela, já no lusco-fusco, quando um inseto, do qual vi apenas o movimento mas que me pareceu do tamanho duma abelha, passou a voar rápido por trás de mim, de imediato sentindo uma dor aguda muito forte. Parecia que tinha sido chicoteado por uma corda metálica de guitarra ou golpeado superficialmente por uma fina lâmina, passando na horizontal pelas extremidades inferiores das omoplatas. Instalou-se um ardor forte nessa linha, de onde por vezes irradiavam pequenos espasmos musculares, ora para cima, ora para baixo, também pelo braço esquerdo, chegando a causar-me um ligeiro mal-estar, próximo da náusea. Tirei a blusa, que não tinha marca de coisa alguma, nem por dentro nem por fora, para que a aragem me desse algum conforto, passando ao de leve com ela pelas costas, de modo a diminuir o ardor. Estava perplexo com o sucedido, receando que pudessem surgir piores reações a este ataque dum inseto voador não identificado. Em casa pude ver ao espelho que muito perto da extremidade inferior de cada omoplata estava uma baba rosada, plana e das dimensões da moeda de dez cêntimos. Não havia, afinal, qualquer linha, mas dois pontos onde algo foi injetado. Mas injetado como, se o inseto não pousou em mim nem entrou por baixo da blusa? No dia seguinte, apenas o ardor estava menos forte. Fui a uma farmácia, mostrei as costas e contei o sucedido, captando a atenção dos quatro farmacêuticos que estavam de serviço. Como ninguém sabia ao certo de que bicho se tratava, venderam-me uma pomada e uns comprimidos antialérgicos comuns, sugerindo-me uma ida ao hospital, caso os sintomas se mantivessem ou agravassem, o que não veio a acontecer. Entretanto pus-me a pesquisar e descobri que poderei ter sido atacado por um besouro-bombardeiro, inseto que desconhecia, mas que fiquei a saber que contém no seu corpo dois venenos em bolsas separadas, que se juntam ao serem expelidos a uma grande velocidade, atingindo uma temperatura de cem graus. Encontrei vídeos que mostram o besouro a bombardear formigas e aranhiços, que de imediato morreram ou ficaram paralisados. De facto, o forte ardor inicial que senti pode ter-se devido tanto à composição do veneno como à sua temperatura. O ardor foi diminuindo, desaparecendo ao fim de cinco ou seis dias, e as manchas das babas passados mais alguns.
- do projeto Sincrónicas e anacrónicas -
É certo que muitas fotografias de gatos são encantadoras, pelo simples facto de os gatos serem animais encantadores. Enroscados ou estendidos, de pé ou sentados, saltando ou correndo, espreguiçando-se ou olhando para nós, facilmente cativam. Este está a dormir enroscado num vaso com plantas mortas.
Foto tirada por Patrícia Raposo, na ilha Terceira, Açores
- Coisas por aí -
Terra retângulo
Irregular
Com onze pedaços
Espalhados no mar
Formando um triângulo
Irregular
Imensos calhaus
O fazem desabar
Tombando-o por terra
Afundando-o no mar
Assim há muito tempo
Em modo regular
- do projeto Poemas com e sem penas -
Deparo regularmente com um homem e a sua bicicleta, ora subindo, ora descendo uma avenida de Setúbal, por vezes andando pelo centro da cidade e raramente estando sentado nalgum banco ou numa cadeira de esplanada. É um homem baixo, farto de cabelo escuro e de barba branca, sempre vestido de preto e com um chapéu na cabeça, da mesma cor. Sempre o vi assim, acompanhado pela sua bicicleta; nunca o vi com ninguém, nem sequer dirigir a palavra a alguém, assim como nunca vi ninguém dirigir-lhe uma palavra. Deparo com este homem há cerca de trinta anos. Ele terá agora perto de oitenta, mas sempre o achei velho, talvez por há três décadas ele me parecer isso por eu ser novo. Os seus olhos pequenos, escuros e recuados, pouco se movimentam, e o seu olhar vago nunca foca nada de concreto. Tem um alto esférico e luzidio na fronte, ao lado do olho direito, do tamanho do bugalho dum carvalho: um tumor que parece prestes a rebentar. Anda devagar, como sempre me lembro de o ver, com a sua bicicleta pela mão, ao longo de várias centenas de metros, às vezes com um atrelado onde leva compras. Só o vi montado uma ou duas vezes, não mais. Sei deste homem apenas aquilo que vejo dele, mas facilmente sou levado a presumir que ele viva sozinho, talvez viúvo e sem filhos, talvez desligado de família e sem amigos. Não sei onde mora, mas se tiver vizinhos imagino que nem fale com eles. A bicicleta é, acima de tudo, a sua companhia, ou a sua companheira, que o acompanha de mãos dadas, mas muda. O homem carrega uma tristeza de indiferença, com um rosto de pedra onde não se consegue esculpir um sorriso, nem uma expressão que agrave aquela que tem. Ocorre-me só agora, no momento em que escrevo estas linhas, que talvez um dia o siga para saber onde mora, por mera curiosidade; assim como me ocorre que talvez um dia meta conversa com ele, pelo menos para ver se ele sabe, consegue ou quer falar.
Desci a rua Augusta serpenteando entre turistas e esplanadas, lançando olhares para todo o lado, apanhando de relance alguns artistas de rua: estátuas-vivas, músicos, bailarinos e habilidosos de coisas sem mestria. Já no fim, perto do arco, deparei com um velho a tocar viola. Vestia roupas coloridas, algo circenses, e tinha na cabeça um chapéu de tecido mole e largo que lhe tocava nos ombros e quase impedia que se visse o seu rosto. Por estar sentado num banco com cerca de um palmo de altura, tinha a perna direita estendida e a esquerda um pouco dobrada, e entre elas a viola. Aproximei-me para o ouvir. Entretanto, reparei que tremia o maxilar inferior umas quatro-cinco vezes por segundo, fechando e abrindo ligeiramente a boca, como se tivesse um tipo de parkinson manifestando-se apenas na mandíbula. Afinal o homem não tocava, limitando-se a raspar com as unhas da mão direita nas cordas da viola, desafinada, e a mudar de sítio, sem qualquer lógica, o polegar da mão esquerda, que apenas pressionava as cordas mais graves. Não se tratava dum prelúdio para algo que viesse depois e, eventualmente, surpreendesse, mas de gestos infinitamente repetidos. Eu estava perante a imagem dum homem fisicamente débil e mentalmente decrépito, de olhos baixos quase semicerrados, num mundo fechado ao reboliço à sua volta. Se me tivesse ocorrido fotografá-lo não o teria feito, por um certo pudor; ocorreu-me dar-lhe uma moeda, mas não dei, não sei dizer porquê.
- do projeto Sincrónicas e anacrónicas -
- Coisas por aí -
Uma surpreendente exposição de escultura em madeira está em Setúbal, na Casa da Cultura. As obras são talhadas de forma tosca, com patines muito subtis, adquirindo uma expressividade muito singular. Esta peça está exposta na parede.
- Coisas por aí -
Tive dois sonhos assustadores na mesma noite, pareceu-me que um a seguir ao outro, como se fossem episódios dum mesmo filme com um curto intervalo entre eles. No primeiro estava eu numa pequena habitação de campo, toda arranjadinha, confortável. Mas o sonho passava-se na sala dessa casa, que tinha uma casa-de-banho a um canto, sem parede ou porta a separá-la. A longa banheira tinha um terço da sua altura com água. No canto do teto sobre a banheira havia uma abertura, como um buraco com cerca de meio palmo, da qual caíam grandes dejetos humanos sólidos, vulgo cagalhões, para dentro da banheira. Eu estava espantado e enojado com aquilo, mas uma mulher que procedia à recolha dos dejetos e consequente limpeza da banheira, explicou tratar-se duma coisa normal caírem os dejetos do andar de cima para aquele. O segundo sonho passava-se na sala duma pequena e antiga moradia que estava em obras. Era uma sala-cozinha completamente de pantanas, sem móveis nem armários, com partes demolidas, quase às escuras. Estava uma tempestade e caía água do teto para uma poça de água no chão, todo escaqueirado pelas obras. Um homem retirava a água com uma pá, para os lados e contra uma parede, mas ela voltava para a poça, onde se misturava com cacaria e detritos da obra.
- do projeto Sincrónicas e anacrónicas -
- reflexos de mim -
Porque não fui eu a marcar as exposições, calhou haver duas inaugurações no mesmo dia, com uma hora de diferença entre elas e uma distância de doze quilómetros entre os locais. Às 16h inaugurou na galeria da Artiset, na Casa da Cultura, uma exposição do grupo que frequenta as sessões de desenho de modelo no meu ateliê. Às 17h inaugurou uma individual no Museu da Música Mecânica, perto do Pinhal Novo. Falei na primeira de forma sintética e pedi desculpa a todos por ter de me ausentar, explicando a razão de ser da minha saída a quem a não conhecia ainda. Depois fui a correr até ao carro e meti-me na estrada. O que vale é que, sendo um sábado de inverno e a meio da tarde, havia pouco trânsito. Cheguei ao Museu sete minutos antes da hora, que foi o suficiente. Começou por falar o diretor, depois falei eu, ambos sem qualquer tipo de pressão. Foi mais tranquilo. Correu bem, sem atropelos. A primeira exposição foi montada na véspera, a segunda na antevéspera. A pressão do tempo era muita mas, com ajuda, fez-se e a coisa não saiu mal.
- Exposições -