Terra retângulo
Irregular
Com onze pedaços
Espalhados no mar
Formando um triângulo
Irregular
Imensos calhaus
O fazem desabar
Tombando-o por terra
Afundando-o no mar
Assim há muito tempo
Em modo regular
- do projeto Poemas com e sem penas -
Espaço de divulgação da obra e da atividade do autor
Terra retângulo
Irregular
Com onze pedaços
Espalhados no mar
Formando um triângulo
Irregular
Imensos calhaus
O fazem desabar
Tombando-o por terra
Afundando-o no mar
Assim há muito tempo
Em modo regular
- do projeto Poemas com e sem penas -
Deparo regularmente com um homem e a sua bicicleta, ora subindo, ora descendo uma avenida de Setúbal, por vezes andando pelo centro da cidade e raramente estando sentado nalgum banco ou numa cadeira de esplanada. É um homem baixo, farto de cabelo escuro e de barba branca, sempre vestido de preto e com um chapéu na cabeça, da mesma cor. Sempre o vi assim, acompanhado pela sua bicicleta; nunca o vi com ninguém, nem sequer dirigir a palavra a alguém, assim como nunca vi ninguém dirigir-lhe uma palavra. Deparo com este homem há cerca de trinta anos. Ele terá agora perto de oitenta, mas sempre o achei velho, talvez por há três décadas ele me parecer isso por eu ser novo. Os seus olhos pequenos, escuros e recuados, pouco se movimentam, e o seu olhar vago nunca foca nada de concreto. Tem um alto esférico e luzidio na fronte, ao lado do olho direito, do tamanho do bugalho dum carvalho: um tumor que parece prestes a rebentar. Anda devagar, como sempre me lembro de o ver, com a sua bicicleta pela mão, ao longo de várias centenas de metros, às vezes com um atrelado onde leva compras. Só o vi montado uma ou duas vezes, não mais. Sei deste homem apenas aquilo que vejo dele, mas facilmente sou levado a presumir que ele viva sozinho, talvez viúvo e sem filhos, talvez desligado de família e sem amigos. Não sei onde mora, mas se tiver vizinhos imagino que nem fale com eles. A bicicleta é, acima de tudo, a sua companhia, ou a sua companheira, que o acompanha de mãos dadas, mas muda. O homem carrega uma tristeza de indiferença, com um rosto de pedra onde não se consegue esculpir um sorriso, nem uma expressão que agrave aquela que tem. Ocorre-me só agora, no momento em que escrevo estas linhas, que talvez um dia o siga para saber onde mora, por mera curiosidade; assim como me ocorre que talvez um dia meta conversa com ele, pelo menos para ver se ele sabe, consegue ou quer falar.
Desci a rua Augusta serpenteando entre turistas e esplanadas, lançando olhares para todo o lado, apanhando de relance alguns artistas de rua: estátuas-vivas, músicos, bailarinos e habilidosos de coisas sem mestria. Já no fim, perto do arco, deparei com um velho a tocar viola. Vestia roupas coloridas, algo circenses, e tinha na cabeça um chapéu de tecido mole e largo que lhe tocava nos ombros e quase impedia que se visse o seu rosto. Por estar sentado num banco com cerca de um palmo de altura, tinha a perna direita estendida e a esquerda um pouco dobrada, e entre elas a viola. Aproximei-me para o ouvir. Entretanto, reparei que tremia o maxilar inferior umas quatro-cinco vezes por segundo, fechando e abrindo ligeiramente a boca, como se tivesse um tipo de parkinson manifestando-se apenas na mandíbula. Afinal o homem não tocava, limitando-se a raspar com as unhas da mão direita nas cordas da viola, desafinada, e a mudar de sítio, sem qualquer lógica, o polegar da mão esquerda, que apenas pressionava as cordas mais graves. Não se tratava dum prelúdio para algo que viesse depois e, eventualmente, surpreendesse, mas de gestos infinitamente repetidos. Eu estava perante a imagem dum homem fisicamente débil e mentalmente decrépito, de olhos baixos quase semicerrados, num mundo fechado ao reboliço à sua volta. Se me tivesse ocorrido fotografá-lo não o teria feito, por um certo pudor; ocorreu-me dar-lhe uma moeda, mas não dei, não sei dizer porquê.
- do projeto Sincrónicas e anacrónicas -
- Coisas por aí -
Uma surpreendente exposição de escultura em madeira está em Setúbal, na Casa da Cultura. As obras são talhadas de forma tosca, com patines muito subtis, adquirindo uma expressividade muito singular. Esta peça está exposta na parede.
- Coisas por aí -
Tive dois sonhos assustadores na mesma noite, pareceu-me que um a seguir ao outro, como se fossem episódios dum mesmo filme com um curto intervalo entre eles. No primeiro estava eu numa pequena habitação de campo, toda arranjadinha, confortável. Mas o sonho passava-se na sala dessa casa, que tinha uma casa-de-banho a um canto, sem parede ou porta a separá-la. A longa banheira tinha um terço da sua altura com água. No canto do teto sobre a banheira havia uma abertura, como um buraco com cerca de meio palmo, da qual caíam grandes dejetos humanos sólidos, vulgo cagalhões, para dentro da banheira. Eu estava espantado e enojado com aquilo, mas uma mulher que procedia à recolha dos dejetos e consequente limpeza da banheira, explicou tratar-se duma coisa normal caírem os dejetos do andar de cima para aquele. O segundo sonho passava-se na sala duma pequena e antiga moradia que estava em obras. Era uma sala-cozinha completamente de pantanas, sem móveis nem armários, com partes demolidas, quase às escuras. Estava uma tempestade e caía água do teto para uma poça de água no chão, todo escaqueirado pelas obras. Um homem retirava a água com uma pá, para os lados e contra uma parede, mas ela voltava para a poça, onde se misturava com cacaria e detritos da obra.
- do projeto Sincrónicas e anacrónicas -
- reflexos de mim -
Porque não fui eu a marcar as exposições, calhou haver duas inaugurações no mesmo dia, com uma hora de diferença entre elas e uma distância de doze quilómetros entre os locais. Às 16h inaugurou na galeria da Artiset, na Casa da Cultura, uma exposição do grupo que frequenta as sessões de desenho de modelo no meu ateliê. Às 17h inaugurou uma individual no Museu da Música Mecânica, perto do Pinhal Novo. Falei na primeira de forma sintética e pedi desculpa a todos por ter de me ausentar, explicando a razão de ser da minha saída a quem a não conhecia ainda. Depois fui a correr até ao carro e meti-me na estrada. O que vale é que, sendo um sábado de inverno e a meio da tarde, havia pouco trânsito. Cheguei ao Museu sete minutos antes da hora, que foi o suficiente. Começou por falar o diretor, depois falei eu, ambos sem qualquer tipo de pressão. Foi mais tranquilo. Correu bem, sem atropelos. A primeira exposição foi montada na véspera, a segunda na antevéspera. A pressão do tempo era muita mas, com ajuda, fez-se e a coisa não saiu mal.
- Exposições -
- Sombras de mim -
Figurinos de Almada Negreiros para a peça Auto da Alma, de Gil Vicente, no Museu do Teatro, numa exposição alusiva à história do Teatro Nacional D. Maria II.
- Coisas por aí -- Outras artes -
Esta imagem é a captura de ecrã duma passagem dum discurso de José Mujica onde ele fala da vida e de como ela se desperdiça, da atuação dos políticos e das pessoas em geral, do passado, do presente e do futuro, de não aprendermos com os nossos próprios erros, etc. Vale muito a pena ver o vídeo na íntegra, assim como ler alguns textos dele que estão editados. A pessoa José Mujica manteve-se inalterável nos seus princípios e valores enquanto presidente do Uruguai, recusando regalias e mordomias.
- Pessoas -