março 20, 2022

Altos contrastes - I

O título desta crónica podia ser outro, um entre os muitos que me ocorreram, mas ficou este, tal é a diversidade de aspetos a referir. Também queria que ela ficasse num texto único e curto, mas a tarefa logo se mostrou impossível. Raramente escrevo sobre as viagens que faço, e quando escrevo não é sobre a viagem em si, mas sobre algum detalhe ou aspeto dela. Desta vez são muitos os aspetos e detalhes, já que se trata de Nápoles, que é uma das cidades mais ricas do mundo, em termos de património arqueológico e arquitetónico. A área do seu centro histórico é a mais extensa declarada como património da humanidade; tão grande quanto rica, feia e degradada. Nela se sucedem muitos e enormes palácios, imensas e diversificadas igrejas e capelas, também edifícios militares, assim como imponentes e austeras construções dos tempos do fascismo. Bairros de ruas estreitas e escuras, com prédios antigos e humildes, alternam com os quarteirões dos palácios. Pelo meio existe um bairro fino, onde tudo está limpo e brilha. O trânsito de Nápoles é caótico, mas nele existe algum civismo, um civismo caótico. Conduz-se freneticamente, apita-se e refila-se a todo o instante. Parece que a qualquer altura vai haver um acidente, mas não vi nenhum. Os pavimentos das ruas são escassos de asfalto e ricos em buracos, os semáforos são poucos, as passadeiras quase não têm tinta, e as que têm também não são respeitadas. A cidade é suja, como se fosse pobre e terceiromundista. O lixo pelo chão é mais do que muito, certamente sem igual na Europa. Nem os espaços verdes são poupados a tanto papel, plástico, garrafa e merda de cão, com que se tropeça mais nas zonas residenciais. Os contentores de lixo e ecopontos estão a transbordar de lixo, e à volta chega a haver tanto como lá dentro. Existe lixo há semanas no mesmo sítio. Vi um caixote para depositar os pequenos sacos com dejetos de cão, que estava cheio a rebentar, com os sacos a cair, aliás já com muitos largados no chão. Consta que a camorra está metida na recolha do lixo e a condiciona. E há os grafitis! São muitos os edifícios, assim como as carruagens dos comboios, pichados de palavras e riscos que se sobrepõem até à impossibilidade de serem lidos ou entendidos. Mas, vista de pontos altos ou junto ao porto, o que se vê é uma cidade grande, que sobe e desce colinas. O mar estende-se para poente, entrecurtado por penínsulas e ilhas. Ao longe e a sul há montanhas, que têm neve no inverno; perto, preocupantemente perto, está o belo e temível Vesúvio. 

- do projeto Sincrónicas e anacrónicas -